Pobreza menstrual: falta de absorventes prejudica saúde física e atrapalha mulheres na escola e no trabalho

Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, regulamentado na última semana, cria estratégias para combater o problema que afeta a saúde de de 5,6 milhões de brasileiras

As mulheres menstruam pela primeira vez, em sua maioria, entre 12 e 15 anos. Passam entre 3 e 7 dias de cada mês com sangramentos. Isso ocorre até a menopausa, que chega por volta dos 50 anos. Para conseguir manter a rotina de higiene, elas precisam ter acesso a, pelo menos, seis absorventes menstruais por dia durante o período menstrual. Entre os descartáveis, a unidade sai em torno de 30 centavos, o que significa um gasto aproximado de R$ 12,60 para uma mulher que passa sete dias menstruada.

Para oferecer absorventes a mulheres que não possam comprá-los, no Dia Internacional da Mulher (08/03), o presidente da República, Jair Bolsonaro, publicou decreto com a  regulamentação do Programa de Proteção e Promoção à Saúde Menstrual, após vetar trechos da lei que criava o programa. A lei que prevê estratégias para combater a precariedade menstrual entre mulheres em condições de vulnerabilidade foi aprovada pelo Senado em outubro de 2021, mas seis trechos foram vetados pelo presidente sob a justificativa de falta de previsão de fontes de custeio ou medidas compensatórias, conforme preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal. Além disso, na ocasião, o presidente justificou que a medida feria a autonomia das unidades de ensino. No último dia 10 de março, o Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Bolsonaro aos trechos da lei que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual.

“Foi um dia histórico para a bancada feminina do Congresso, da qual eu faço parte. A derrubada do veto sobre o assunto pobreza menstrual foi de extrema importância para as mulheres que vivem em vulnerabilidade social, principalmente, as estudantes que não têm acesso a esse item”, comentou a deputada federal Aline Gurgel (Republicanos/AP). 

Entre os senadores, 64 votaram pela derrubada dos vetos e um foi favorável à manutenção. Entre os deputados federais, 425 manifestaram a discordância com os vetos do presidente e 25 votaram pela continuidade dos vetos.

Com a derrubada do veto estima-se que o programa irá atender cerca de 5,6 milhões de meninas e mulheres. O decreto do governo era menos abrangente: deve contemplar pouco mais de 3 milhões de meninas e mulheres. Beneficia apenas as meninas e mulheres que estão em situação de rua, aquelas de 12 a 21 anos que cumprem medidas socioeducativas e estudantes de 9 a 24 anos de idade matriculadas em escolas que integram o programa Saúde na Escola. Para a execução do programa, o governo destinou R$ 130 milhões. 

Perfumaria

Foto: Pablo Valadares / Agência Câmara

A deputada federal Aline Gurgel explica que, atualmente, os absorventes menstruais são classificados como item de perfumaria, o que acaba onerando o preço final do produto por conta da taxação de impostos. Por isso, a deputada defende que os absorventes devem ser considerados como itens de cesta básica. 

A deputada apresentou o PL 2946/2021 que propõe a alteração das alíquotas de PIS, PASEP e COFINS para absorventes. "Alem de baratear o custo, a medida facilitará a questão de repasse do item pelo Governo Federal. O governo doa o que é básico. Considerando os absorventes assim, poderá facilitar o processo de transferência para tantas brasileiras que precisam", argumenta.

O que é pobreza menstrual?

Num país em que 28 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, segundo estudo da FGV Social, a compra de absorventes fica em segundo plano, o que expõe as mulheres a condições ainda mais vulneráveis. 

A oficial de Programa para Segurança de Insumos em Saúde Sexual e Reprodutiva do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) Brasil, Nair Souza, defende que a pobreza menstrual denuncia problemas de ordem econômica, social e educacional. Ela pondera que, além do absorvente, é fundamental que quem menstrua tenha acesso a recursos básicos como água para higiene. “A privação de acesso a esses elementos pode afetar a saúde, a mobilidade, a dignidade dessas meninas e adolescentes”, assegura.

Estudo realizado pela UNFPA e pelo Unicef mostrou que cerca de 713 mil meninas não têm banheiro com chuveiro ou sanitário em casa, 900 mil não dispõem de água encanada e 6,5 milhões de brasileiras vivem em casas sem ligação com a rede de esgoto. “Do ponto de vista da saúde emocional, a urgência de boas condições para o cuidado da saúde menstrual pode vir a causar desconforto, insegurança, estresse. Além de contribuir pra aumentar a discriminação dessas meninas que menstruam e causar sentimentos de baixa autoestima. Portanto, a pobreza menstrual também resulta em sofrimento psíquico”, expõe Nair Souza. 

Saúde em risco

No livro “Presas que menstruam", a jornalista Nana Queiroz conta que as internas do sistema carcerário costumam utilizar miolo de pão velho no lugar do absorvente menstrual. Além dessa técnica, a colocação de farinhas, panos absorventes ou papel higiênico também são usadas para a contenção do fluxo. A ginecologista  Giane Cezimbra alerta que técnicas como essas colocam a saúde das mulheres em risco. “A utilização de materiais ou objetos inadequados para conter o fluxo menstrual aumenta a chance de infecções urogenitais, como candidíase e infecções urinárias. A mulher também pode sofrer com alergia e irritação local, que causam coceira intensa e desconforto. Materiais inadequados também podem ferir a genitália”, alerta a médica. 
 
O relatório Pobreza Menstrual no Brasil mostrou que 4 milhões de meninas sofrem alguma privação para lidar com a rotina escolar durante o período menstrual. “Desde a falta de papel higiênico, à falta de um banheiro adequado com pia, sabão, tranca para privacidade”, explica Luiza Leitão, oficial do Programa de Cidadania dos Adolescentes do Unicef no Brasil. 

“Uma mulher com fluxo intenso carente de um material absorvente adequado precisará ir ao banheiro a cada uma hora, no mínimo. Sendo assim, não será possível realizar as tarefas básicas do cotidiano, como, por exemplo, trabalhar e estudar, o que pode gerar sintomas de ansiedade e até depressão”, contextualiza a mestre em Fármacos e Medicamentos Juliana Penso. 

Para Luiza Leitão, da Unicef, o assunto ainda é um tabu na sociedade. “Ter acesso a absorventes é um direito básico para atender a uma situação regular na vida de pessoas que têm útero”, defende. 

Fonte: Brasil 61

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